Se o senhor não tá lembrado: 100 anos de Adoniran Barbosa
Contexto de sua obra
“É o progresso
É o progresso
Mudou tudo
Mudou até o clima...”
(Praça da Sé, Adoniran Barbosa)
É verdade que esse lado de cronista não chega a ser uma novidade; tanto que ele já chegara a ser chamado de Noel Rosa de São Paulo (aliás, Noel Rosa é outro sambista que completaria um século de nascimento neste ano de 2010), graças à sua galeria de personagens, típicos das ruas da cidade.
Boa parte dos sambas mais conhecidos de Adoniran datam do começo da década de 1950 (Iracema, Saudosa Maloca e Samba do Arnesto, por exemplo), período de profundas transformações na estrutura do país, que até então era rural em sua maior parte. Transformações essas que incluíam em seu bojo a implantação da indústria pesada no país, a entrada massiva de empresas transnacionais estrangeiras, as migrações para os centros urbanos e o repentino inchaço desses territórios nos anos que se seguiriam.
A partir desse contexto, o samba de Adoniran ganha corpo, resultante de tradições e costumes regionais, próprios daqueles que construíram a cidade – muitos deles oriundos do campo (conforme se pode perceber no próprio sotaque caipira-italianado de suas músicas) – e da nova dinâmica do grande centro que se tornava São Paulo.
Em um artigo de 1976, o crítico musical José Ramos Tinhorão já dizia ser crescente a influência dos meios de comunicação sobre os produtos culturais e a dependência desses meios aos interesses de seus proprietários; isso implicaria dizer que aqueles produtos veiculados são necessariamente determinados por esses interesses antipopulares. Portanto, toda a cultura difundida por tais meios possui esse caráter (muito embora, em alguns casos também venham a se apropriar de elementos da cultura popular). No caso de Adoniran, isso também vale para a indústria fonográfica – e de certo pode ser uma pista para compreendermos as causas do isolamento de uma figura de tamanha relevância como ele.
De todo modo, ainda que dentro desses e de outros limites, consideramos que o esforço de se fazer lembrar de figuras como Adoniran consiste em um ato de resistência da cultura de nossa classe, trabalhadora. O que é importante, inclusive, para o resgate dessa identidade coletiva e histórica.
E, para finalizar este artigo, só mesmo com as palavras do próprio Adoniran, que fez de sua obra o que na música Abrigo de vagabundo ele faz com a sua maloca:
“Minha maloca
A mais linda deste mundo
Ofereço aos vagabundos
Que não têm onde dormir”
Pedro Nathan é filósofo, cantor e militante da Consulta Popular.
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