Itamaraty vai buscar acordo com a Argentina Objetivo é evitar que o conflito comercial contamine a relação política entre os países


SÃO PAULO e BUENOS AIRES - O Itamaraty entrou na negociação com a Argentina para "apaziguar os ânimos" e evitar uma "contaminação da relação política" pelo conflito comercial. Com a ajuda dos diplomatas, os dois países podem chegar a um acordo na reunião que ocorre nesta quinta-feira, 2, em Brasília.
A interferência do Ministério das Relações Exteriores não significa, porém, que o governo vai "rifar" a indústria para agradar o vizinho, como ocorria na época de Lula. Por ordem da presidente Dilma Rousseff, o Brasil só aceitará um acordo se houver contrapartida argentina.
As sinalizações são de um acordo nesta quinta, com a liberação dos produtos parados na fronteira. A expectativa é que seja criado um "fast track" para os veículos argentinos, se o país fizer o mesmo para produtos brasileiros, como máquinas agrícolas, calçados e geladeiras e chocolates.
Os dois lados ainda discutem o prazo para liberar os produtos parados na fronteira. O Brasil propôs liberar os carros argentinos em dez dias, mas o pedido de Buenos Aires é de 72 horas.
Brasil e Argentina vivem uma guerra comercial depois que os brasileiros aplicaram licenças não automáticas para a importação de carros. A medida - que deve ser mantida para os demais países mesmo com uma flexibilização para a Argentina - foi vista como uma retaliação pelo vizinho, que impedia a entrada de produtos brasileiros há meses.
Segundo o Estado apurou, o emissário do Itamaraty para fazer a ponte com o governo da presidente Cristina Kirchner é o subsecretário geral de América do Sul, Antonio Simões. Ex-embaixador na Venezuela, Simões tem excelente trânsito com o presidente venezuelano Hugo Chávez, que é ligado aos Kirchner.
Simões integrou a comitiva que esteve em Buenos Aires na última reunião. A delegação foi liderada pelo secretário executivo do Ministério do Desenvolvimento, Alessandro Teixeira. Segundo fontes que acompanharam o encontro, o diálogo entre o Itamaraty e o Desenvolvimento está "azeitado".
Desgaste. O Itamaraty entrou em campo para "ponderar que a relação comercial não se esgota no conflito dos carros" e recordar aos dois lados a "relevância do mercado argentino para as exportações brasileiras". O objetivo é "evitar um desgaste extra e garantir que o conflito vai se resolver na área comercial, sem contaminar a política".
As negociações estão sendo conduzidas com cuidado, porque nenhum dos lados pode demonstrar fraqueza. "O problema é que o golpe do Brasil foi forte demais e a reação da Argentina está meio imprevisível", disse um empresário. "Agora o Itamaraty está acompanhando, porque ninguém quer o caos."
O clima eleitoral na Argentina está sendo considerado. Cristina deve anunciar sua candidatura à reeleição em 23 de junho. Por isso, a ministra da Indústria da Argentina, Débora Giorgi, precisa voltar de Brasília com resultados concretos.
Giorgi também enfrenta constante rivalidade com o secretário de Comércio, Guilhermo Moreno, autor de várias medidas protecionistas e homem de confiança do ex-presidente Néstor Kirchner, falecido em outubro.
Do lado brasileiro, o chanceler Antonio Patriota está preocupado com a próxima reunião do Mercosul, que ocorre nos dias 23 e 24 de junho. Será a primeira cúpula do governo Dilma e não interessa chegar ao encontro com uma guerra comercial em curso com a Argentina.
Discrição. O Itamaraty vinha mantendo um perfil discreto no conflito com a Argentina. Em janeiro, o secretário-geral do Itamaraty, Ruy Nogueira, esteve em Buenos Aires, mas não convenceu os argentinos a realizar uma reunião ministerial para resolver os atrasos na entrada de produtos brasileiros no país. Voltou irritado da viagem.
Dilma determinou então que o tema era técnico e seria tratado pelo ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel. Depois de tentativas frustradas de negociar, ele disparou um "tiro de canhão", com a aplicação das licenças não automáticas para importação veículos. O Itamaraty não se envolveu na adoção dessa medida.
Desde o início, no entanto, o interesse de Pimentel não é provocar uma guerra comercial com a Argentina, mas forçar o vizinho a negociar. O ministro está empenhado em chegar a um acordo e insistiu para que Giorgi viesse a Brasília nesta quinta-feira, para resolver o conflito.

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