Resistência forrozeira



Acredite se quiser, mas houve um tempo em que forró em Fortaleza era coisa rara. Competindo com os sucessos nacionais da lambada, muitos sanfoneiros se “atualizaram” trocando seus instrumentos pelos teclados. Visto preconceituosamente como “música de baixa qualidade”, o som mais nordestino foi sendo jogado para escanteio nas festas, que preferiam tocar os rebolantes sucessos da lambada.

Ponto de encontro dos amantes do forró tradicional em Fortaleza, o Kukukaya é um dos destinos mais disputados da Capital (ALEX COSTA, EM 25/11/2006)

Foi no meio desse cenário, mais precisamente em março de 1997, que o casal Walter Medeiros e Elaine Brito abriu uma pizzaria numa estreita esquina da Avenida 13 de Maio, sobre o teto de uma padaria. O nome escolhido, Kukukaya, foi tirado da música da compositora Cátia de França gravada no disco de estreia de Elba Ramalho. “Abrimos com uma proposta, mas acabou tomando outro caminho”, lembra Elaine, que convidou a cantora Joana Angélica e o violonista Marcílio Homem para fazerem o show de abertura. “Acabou que recebemos mais de 50 artistas querendo participar, cantar, tocar. Foi uma noite linda. O dia amanhecendo e ninguém queria ir embora”. Assim começou uma história que já dura 15 anos.

Com cara de ponto de encontro para bater papo e tomar alguma coisa, o Kukukaya foi chamando artistas e admiradores e ganhando fama. O burburinho era tanto que até o cantor Edson Cordeiro apareceu por lá após um show requintado no Theatro José de Alencar. “Ele falou que, se a casa abrisse na segunda-feira, ele daria uma canja. Nós abrimos, mas, no lugar da canja, ele deu um show completo”, conta Walter. Na ocasião, o intérprete de voz aguda se acompanhou dos violonistas Marcos Maia e Cláudio Costa num repertório que foi do erudito ao popular. Não teve jeito. Com quatro anos, a casa não cabia tanta gente e eles foram atrás de um espaço maior.

O novo endereço foi onde funcionava o Tauape Clube, na avenida Pontes Vieira. De casa nova, o Kukukaya passou a abraçar mais forte a cultura cearense, desde a decoração até a cozinha e a programação. “Mais que qualquer coisa, eles queriam um espaço que valorizasse os artistas da terra e aqueles que não estavam na mídia, como Vital Farias, Paulinho Pedra Azul e o Geraldo Azevedo. Eles queriam ter um espaço onde pudessem beber dessa música e se alimentar essa cultura”, explica a cantora Joana Angélica, que acompanhou a idealização do projeto.

Depois de 15 anos de história, o Kukukaya continua sendo reconhecido como o espaço de resistência da música nordestina, embora não deixe de abrir espaço para outras culturas. “Eles conseguiram mesclar bem. Desde o pequeno (antigo endereço), eles já levaram gente como o Zé Renato. Mas sempre seguem uma linha”, observa o escritor e compositor Eugênio Leandro, fiel frequentador. Primeiro sanfoneiro a tocar no local, Luizinho Calixto lembra o público até demorou a absorver a proposta do lugar. “Antes, as pessoas vinham para Fortaleza com o nome do Pirata na boca. Hoje o Kukukaya é uma referência nacional que muitos artistas falam”. Sabendo da responsabilidade que a casa puxou para si, o músico até aproveita pra fazer uma cobrança. “Eles ainda não tocaram a sanfona de oito baixos, que também faz parte da nossa cultura. Se não fizer algo agora, logo esse instrumento vai para a prateleira”.


Mas foi recebendo artistas como Elba Ramalho, Dominguinhos, Marinês e Waldonys, que o lugar ficou marcado pela militância em nome do forró autêntico. Tanto que hoje Walter Medeiros é também presidente da Associação Cearense do Forró, entidade criada para resgatar as raízes da música nordestina. “Temos mostrado que o que está se praticando aqui não é o forró. Tanto no ritmo quanto a estética, não é forró. É lambada com axé, tudo menos forró”, critica Walter que vem contando com o apoio de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte para tornar o forró um patrimônio cultural imaterial.

Elaine Brito ainda lembra que, nos primeiros anos de Kukukaya, era difícil colocar casais dançando no salão. Foi mais um momento em que eles contaram com ajuda dos amigos no incentivo aos dançarinos. Até a atriz cearense Florinda Bolkan apareceu por lá para dar uma força. Outro método usado na época foi dar um prêmio ao primeiro casal que chegasse ao salão. Bastaram duas semanas pro salão ficar lotado. “Tem que ter coragem de fazer o que a gente faz. Trabalhar com cultura no Brasil é muito difícil. Mas é esse o nosso foco. Defender a cultura Nordestina”.

SERVIÇO

KUKUKAYAOnde: Av. Pontes Vieira, 55 – Dionísio Torres

Horário de funcionamento: a partir das 20hOutras informações: 3227.5661 ou www.kukukaya.com.br

Cartão de crédito: Visa e MastercardÁrea para fumantes: sim


Acesso para cadeirantes: simEstacionamento: não


Programação do fim de semana: Zé de Manu, Dorgival Dantas e Bob Araújo, na sexta (30), e Sergiane, no sábado (1º)

Saiba mais


Dentro das comemorações de 15 anos da casa, o Kukukaya vem preparando algumas novidades. Até o fim deste ano, a casa lança um café e uma cachaçaria. Também está programado para novembro um show com Elba Ramalho e a Festa do Fuscão Preto. No evento, eles vão sortear um autêntico fuscão preto cheio de bebidas, que será entregue por Almir Rogério, autor do sucesso brega Fuscão Preto.

Marcos Sampaio
marcossamapaio@opovo.com.br

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