Militar na fronteira vive com comida racionada e luz por apenas 9 horas

A vida em um destacamento militar nas fronteiras do país não é fácil: horas de luz são cronometradas, e a comida é racionada quando o avião que leva mantimentos uma vez por mês não pousa no dia marcado. Apesar do adicional de 20% sobre o soldo base, quem aceita trabalhar nessas regiões enfrenta dificuldades de transporte e de comunicação, tendo que suportar a incômoda distância da “civilização” e dos familiares.

 exercito_especial_cronograma_dia2 (Foto: Editoria de Arte/G1)

O G1 publica, ao longo da semana, uma série de reportagens sobre a situação do Exército brasileiro quatro anos após o lançamento da Estratégia Nacional de Defesa (END), decreto assinado pelo ex-presidente Lula que prevê o reequipamento das Forças Armadas. Foram ouvidos oficiais e praças das mais diversas patentes - da ativa e da reserva -, além de historiadores, professores e especialistas em segurança e defesa. O balanço mostra o que está previsto e o que já foi feito em relação a fronteiras, defesa cibernética, artilharia antiaérea, proteção da Amazônia, defesa de estruturas estratégicas, ações de segurança pública, desenvolvimento de mísseis, atuação em missões de paz, ações antiterrorismo, entre outros pontos considerados fundamentais pelos militares.

Ao contrário dos soldados que se alistam para uma missão de paz, como no caso do Haiti, onde o Brasil construiu uma base com academia, ar-condicionado e rede de internet sem fio, os pelotões de fronteira são carentes de infraestrutura básica, como redes de esgoto, água e energia. Carros e barcos usados no dia a dia estão defasados. Os militares criam porcos para comer em caso de necessidade.

“A maior dificuldade aqui é termos apenas nove horas de energia. O material que precisamos é trazido uma vez por mês, em avião da FAB. Sabemos quando deve vir porque nos perguntam, uma semana antes, o que precisamos. Daí ficamos esperando. Não tem data prevista. Um vez o avião atrasou dois meses e tivemos que fazer racionamento”, conta o tenente Renzo Silva, de 23 anos, subcomandante do Pelotão Especial de Fronteira (PEF) de Bomfim - na fronteira de Roraima com a Guiana -, que comandou, por um ano, o PEF na unidade indígena de Auaris - na divisa de Roraima com a Venezuela.
A oferta de luz depende da quantidade de combustível disponível para o gerador. Normalmente, são duas horas pela manhã (das 9h30 às 11h30), duas horas e meia à tarde (das 13h30 às 16h) e mais quatro horas e meia à noite (18h30 às 23h).
”Quem tem insônia tem que ficar deitado na cama, esperando o tempo passar”, diz Renzo Silva.

Quando o G1 visitou o PEF de Bomfim, em maio, a mulher do comandante da unidade havia sido picada na noite anterior por um escorpião e teve de ser levada para a capital Boa Vista. O militar teve de deixar o posto para acompanhá-la.
“Aqui tem animal peçonhento, cobra, escorpião. Meu maior medo é que minha filha de 10 meses coloque algo na boca. Não há acesso fácil a uma unidade de emergência”, diz a sargento Aline Marriette, de 29 anos.

Ela e o marido, o sargento paraquedista Pedro Rogério Martins Rosa, viviam em Nova Iguaçu (RJ) e trabalhavam em quarteis da capital fluminense até que decidiram, em janeiro de 2012, pedir transferência para a fronteira.

“Viemos para conhecer uma outra realidade do nosso

Brasil. O Exército nos dá a oportunidade de conhecer cada pedacinho do país. A família sente saudades, mas aqui, pelo menos, não tem a violência que tínhamos no Rio. É uma vida mais sossegada”, diz Aline. “A babá que veio comigo do Rio enlouqueceu em um mês. Não quis ficar mais aqui e voltou”, relembra.

O maior problema para a atuação nas fronteiras é a ausência do Estado. São mais de 17 mil quilômetros de divisas, com 10 países, que são fluxo de criminalidade, com tráfico de drogas, armas, contrabando. Para vigiar as fronteiras, o Exército pretende implantar, até 2024, o Sistema Nacional de  Monitoramento de Fronteiras (Sisfron), que promete ver tudo o que ocorre nessas regiões e que começará a ser implantado ainda em 2012, em Mato Grosso do Sul.
Na fronteira da Amazônia, o Exército conta, atualmente, com 21 pelotões - bases avançadas para a vigilância das divisas do país. Segundo o general Eduardo Villas-Boas, comandante militar na região, a construção de cada unidade custa mais de R$ 20 milhões. Há um projeto para inaugurar outras 28 até 2030.
Cada unidade abriga entre 20 e 60 soldados, que seguem uma rotina baseada no triângulo “vida, trabalho e combate” - uma espécie de mantra para o militar não “enlouquecer” na selva.


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