Os voos da morte e os horrores da ditadura argentina


A ditadura militar na Argentina (1976-1983) não só cometeu crimes contra a humanidade, como também tentou ocultá-los. Os abusos perpetrados durante esse período da história do país estão ressurgindo e mostrando seu horror. O Centro de Informação Judicial (CIJ) revelou na semana passada a descoberta de uma nova vala comum no ex-arsenal Miguel de Azcuénaga em Tucumán, no norte do país. No dia seguinte, fotografias e documentos provando a existência dos “voos da morte” vieram a público.
Os restos mortais de pelo menos quinze pessoas foram assim descobertos em uma vala comum no local do antigo arsenal, como parte das escavações conduzidas no local pela equipe de antropologia forense. “Os corpos foram encontrados em diferentes níveis de profundidade”, explica o CIJ em seu website. Ao lado dos esqueletos, parcialmente carbonizados, os cientistas constataram a presença de cartuchos de balas.


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“Temos a prova de que se trata de um local de execução”, indica o Centro de Informação Judicial. Vários restos humanos já haviam sido encontrados no ponto do antigo arsenal no mês de março. No total, quatro valas comuns foram descobertas naquilo que é apresentado como o maior centro de detenção clandestino do norte do país, explica o jornal “Público”. Cerca de 900 prisioneiros teriam sido mantidos reclusos ali. Segundo o “Clarín”, o local começou a funcionar em 1975, durante a “Operação Independência”, criada para eliminar a dissidência política.
Além disso, as equipes de médicos legistas identificaram, na terça-feira (13), a pessoa cujo pé direito havia sido encontrado no meio dos restos de outras vítimas, no início de 2010, em Pozo de Vargas. Trata-se do ex-senador Guillermo Vargas Aignasse, sequestrado em 1976 diante de sua família, explica o “La Nación”.

Provas materiais dos “voos da morte”

Na última quinta-feira (15), a Comissão Interamericana dos Direitos Humanos (CIDH) entregou ao juiz federal Sergio Torres documentos que provam a existência dos “voos da morte” — uma das técnicas às quais o exército costumava recorrer durante a ditadura para se livrar dos presos políticos. Ali figuram quase 130 fotos que confirmam que os militares da Escola Superior de Mecânica do Exército (ESMA) — que foi o mais importante dos centros de detenção utilizados durante a “guerra suja” — , jogavam os opositores no mar do alto de aviões. Os corpos em seguida eram deixados à deriva. Alguns, carregados pela corrente, encalhavam na costa do Uruguai.

A maioria das vítimas foi encontrada com os pés e os punhos amarrados. Algumas foram torturadas antes de serem jogadas na água, como mostram as marcas deixadas em seus cadáveres por descargas elétricas realizadas com ajuda de pinças metálicas. Todos esses documentos provêm das forças armadas uruguaias. Até hoje eles estavam guardados nos arquivos da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que decidiu divulgá-los. É a primeira vez que elementos desse teor são publicados.

As organizações de direitos humanos calculam que 30 mil pessoas foram mortas durante a repressão política associada à ditadura. Desde a entrada de Néstor Kirchner no poder (2003-2007), a anulação das leis de anistia votadas sob a presidência da Carlos Menem (1989-1999) e a reabertura dos processos, as autoridades querem que os militares responsáveis pelos abusos sejam rapidamente condenados.

Fonte: Le Monde
Tradução: Lana Lim

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