Os desafios do patrocínio cultural


“O maior incentiivo para as empresas investirem em cultura seria o fim de 100% de renúncia fiscal oferecido por muitas das leis de incentivo em vigor no país!”
A afirmação é do especialista em patrocínio cultural Larcio Benedetti. “Isso pode parecer um paradoxo, principalmente se pensarmos apenas no curto prazo. Mas a médio e longo prazo a coisa muda de figura”, completa. Para ele, 100% de renúncia é “um convite à acomodação, à falta de comprometimento, ao discurso do ‘vamos apoiar qualquer coisa só para não perdermos o benefício fiscal’”.
Mas quando pelo menos parte do investimento sai do bolso do patrocinador, muda o olhar sobre o patrocínio, que passa a ser avaliado e monitorado como qualquer outra ferramenta de comunicação. “Isso representa um excelente desafio para os gestores nas empresas, obrigando-os a buscar os benefícios reais que a atuação em cultura tem potencial de oferecer. É o que já acontece, felizmente, com alguns patrocinadores públicos e privados no Brasil, que já descobriram que patrocínio cultural, quando bem planejado, é sinônimo de expressão concreta de atributos, relevância, reputação, engajamento/interação com públicos específicos, etc”, diz.
Neste sentido, Benedetti acredita que o ponto crucial para uma atuação empresarial sólida e consistente é a elaboração de uma política de patrocínio. Ignorar essa necessidade, segundo ele, é o maior erro. “Quando o patrocínio não está ancorado a uma política, ele é visto internamente pela empresa como uma ferramenta tática e operacional, visando muitas vezes apenas o aproveitamento de benefícios de leis de incentivo. Como consequência inevitável, a atuação é frágil, sem impacto externo, dependente da renúncia fiscal e, portanto, constantemente ameaçada. Por outro lado, quando se constroi uma boa política, os patrocínios têm enorme potencial de ganhar relevância estratégica dentro da corporação. O incentivo fiscal é visto como apenas mais um dos inúmeros benefícios que a atuação em cultura pode propiciar às marcas empresariais, deixando de ser fator determinante para o investimento. Como resultado, o patrocínio ganha em qualificação, profissionalização e se integra à estratégia de comunicação (de marca ou corporativa) das empresas.”
Captação - A falta de política pode causar a descontinuidade dos projetos, uma vez que os interesses de marketing das empresas mudam a cada ano, os funcionários das empresas mudam e nessas se perde uma boa parceria. O alerta é da produtora cultural Inti Queiroz, que atualmente está em busca de patrocínio para a edição 2012 do Festival PiB – Produto Instrumental Bruto.
Em mais de 10 anos de trabalho com projetos que utilizam leis de incentivo, Inti já teve mais de 50 aprovados, 10 pela sua atual produtora e mais de 40 de parceiros com quem trabalhou tanto na formatação quanto na produção e gestão. Mais da metade deles não conseguiu nenhum centavo de patrocínio. Dos 10 aprovados pela produtora própria, a maioria na área de música instrumental, apenas três conseguiram verbas para realização, via lei do ICMS-SP: duas edições do Festival PIB (2009 e 2010) e uma edição do Expresso Jazz SP (2011).
“De uns anos pra cá, as leis de incentivo conseguiram uma abrangência bem maior, principalmente após 2005, e o volume de produtores que utilizam as leis aumentou muito. Triplicou o número de projetos e o mercado não conseguiu absorver essa demanda”, afirma.
Ela acredita que uma das maiores dificuldades encontradas por quem busca um patrocínio é a falta de informação nas empresas sobre os beneficios fiscais das leis de incentivo. “Nos departamentos de marketing que tive contato, maioria de grandes multinacionais, o desconhecimento sobre o funcionamento das leis é assustador”, conta.
Outros pontos de dificuldade, segundo Inti, são a falta de know how dos próprios produtores – “tanto em planejar e formatar um projeto, quanto em criar um bom plano de captação de recursos” – e a falta de know how e contatos dos captadores que buscam as verbas para projetos médios e pequenos. “Além de não terem conhecimentos reais sobre a área artistica, a maioria não se dá ao trabalho nem de ler o projeto que está vendendo. Trabalhei dois anos numa grande produtora como filtro de projetos de duas empresas gigantes em patrocínio. Recebia em média 50 pedidos de patrocínio por dia. Pude perceber que a grande maioria dos produtores além de não saberem escrever seus projetos, sabiam menos ainda como captar. A maioria deles não tinha nenhum planejamento de ações de contrapartidas, nem de mídias de divulgação. Total desconhecimento de ferramentas básicas de marketing”, lembra.
Já os captadores demonstravam desconhecimento total do que estavam vendendo. “Vendiam aquilo como um produto qualquer, sem nenhuma pesquisa da parte artistica, nem do público alvo real desses projetos. É muito fácil falar de números. Mas gente de verdade, isto é, os consumidores das marcas, não são apenas números”, completa.
Função social - Eduardo Mancini, do grupo teatral Treinadores da Alegria, tem um projeto em atual fase de captação. Aprovado na Lei Rouanet, o objetivo é a manutenção e itinerância do espetáculo “O luxo do lixo”, em escolas da rede pública de ensino, comunidades e ONGs, totalizando 150 apresentações distribuídas pela Grande São Paulo e cidades até 200km da capital.
Para Mancini, entre as várias dificuldades encontradas pelo grupo está a de conseguir fazer com que o projeto chegue até o futuro patrocinador. “Os grandes patrocinadores trabalham diretamente com os seus captadores, o que torna o contato mais difícil. Muitas empresas só se preocupam em patrocinar projetos que tenham visibilidade/mídia, dessa forma, normalmente, nós produtores estamos dependentes da área de marketing para aprovação, o que acaba inviabilizando. Muitas esquecem que esse dinheiro é público”, lembra.
O que ele destaca como positivo é que algumas estão interessadas em projetos que tenham amplitude social, o que facilita a aprovação e principalmente o retorno em benefício para a população do dinheiro que produtores e patrocinadores estão utilizando.
Para ele, a solução é ampliar o Fundo Nacional de Cultura, para que mais projetos possam ser aprovados sem a necessidade dos produtores terem que “passar o chapéu” nas áreas de marketing das empresas. “Dessa forma, o Ministério da Cultura poderia exigir mais dos produtores as contrapartidas com benefícios reais para uma população menos favorecida. Infelizmente temos muitos grandes projetos aprovados que pouco devolvem para a população. É importante criar editais onde os produtores sejam incentivados a levar suas produções para comunidades carentes e principalmente cidades que tenham pouco acesso à cultura”, sugere Mancini.
Para a produtora Renata Moura, que trabalhou na área de captação do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP), a contrapartida social acontece mais quando quem cuida de aprovar os projetos dentro da empresa é o setor de responsabilidade social, não o de marketing. “Algumas empresas têm setores de responsabilidade social incríveis, de gente legal mesmo, que gosta de acompanhar cada projeto. Quando a gente encontra essas, fica feliz”, conta.
Além disso, ela defende que o Estado deve ter um papel mais atuante. “O governo acha que está fomentando a cultura só porque coloca o logo ‘apoio do Ministério da Cultura, Lei Rouanet, bla bla bla’, mas na verdade, o trabalho de captar o recurso é todo do projeto. Se alguém não tivesse batido na porta de uma empresa pra pedir apoio, não tinha logo de Lei Rouanet nenhuma.”
Larcio Benedetti conta que, estando envolvido diretamente em mais de 10 editais empresariais de patrocínio, o que sempre ouviu das comissões técnicas que avaliam os projetos é que a quantidade de boas propostas é sempre maior do que a capacidade de investimento da empresa naquele edital. “A dificuldade, então, não está em definir quem merece entrar na seleção, mas sim quem infelizmente terá que ficar de fora”, explica.
Para ele, o que de fato existe é um desequilíbrio na qualidade das propostas entre cidades/regiões do país. Mas isso não deve inibir a participação de uma empresa. “Ao contrário, ela pode enxergar aí uma oportunidade de demonstrar seu papel enquanto agente transformador”, defende o consultor.
Conhecimento - Em agosto, o Cemec promove em São Paulo o curso Patrocínio Cultural, que vai abordar a relação de produtores culturais com patrocinadores e investidores no atual cenário sociocultural brasileiro.
Destinado a profissionais do mundo corporativo interessados em aprimorar sua atuação no mercado, o curso é também muito útil a gestores culturais que pretendem aprofundar a visão da cultura sob a ótica corporativa.
Entre os palestrantes estão Eduardo Saron (Itaú Cultural), Mario Mazilli (CPFL Cultura), Eliane Costa (ex-gerente de Patrocínios da Petrobras), Sérgio Ajzenberg (Divina Comédia) e Piatã Stoklos Kignel (Santander), entre outros.
Clique aqui para ver a programação completa e fazer sua inscrição.

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