FSM: Mulheres de todo o mundo pautaram combate ao imperialismo
Em documento construído na Assembleia Mundial das Mulheres do Fórum Social Mundial 2011 (FSM), em Dacar (Senegal), movimentos de todo o planeta colocaram a questão da soberania dos países e autodeterminação dos povos no centro da pauta por um mundo mais justo. A carta, embora inteiramente permeada pelo debate da emancipação das mulheres, coloca no centro a luta contra o imperialismo, mostrando que não há contradição entre a pauta feminista e a luta mais geral por um outro mundo possível.
Lúcia Stumpf
A assembleia de convergência das mulheres aprovou uma carta unitária durante o FSM 2011.
O documento, assinado por diversas entidades e organizações, foi construído por mulheres presentes ao FSM e expressa a complementariedade entre a luta mais geral contra o imperialismo e a pauta da emancipação feminina, afinal, trata-se de superar o “sistema capitalista e patriarcal globalizado”, como classifica a carta.
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Em diversas passagens, as organizações denunciam como as mulheres são mais afetadas pelas crises e pela própria lógica superexploradora do capital do que os homens, além de pautar o fim de diversas formas de opressão e violência contra elas.
Foto: Lúcia Stumpf |
Liége Rocha, da União Brasileira de Mulheres (UBM) e da Federação Democrática Internacional de Mulheres (Fedim), que compõe o Conselho Internacional do FSM, foi uma das representantes do Brasil da assembleia. |
Entendendo a hegemonia do capital financeiro enquanto principal beneficiado da exploiração intrínseca ao sistema na atual fase do capitalismo, as mulheres pautam ainda a instituição da taxa Tobin, que é um tributo proposto pelo economista americano James Tobin, da Universidade de Yale - Prêmio Nobel de Economia em 1981. Esse tributo incidiria sobre as movimentações financeiras internacionais de caráter especulativo.
Entre as propostas da assembleia, está a de instituição do dia 30 de março como Dia de Solidariedade Internacional com o Povo Palestino. As mulheres propõem, ainda, a realização de um Fórum internacional de solidariedade à luta do povo palestino em 2012.
“O que se passa a uma de nós, passa-nos a nós todas. É por isso que devemos lutar todas juntas”. Com esta frase, as organizações concluem o rico e unitário documento em defesa de um mundo mais justo, que pressupõe a participação das mulheres na sua construção.
Leia a íntegra da carta aprovada pela assembleia de convergência das mulheres no FSM 2011:
Foto: Lúcia Stumpf |
Imagem da assembleia, que reuniu centenas de mulheres de todo o mundo, das mais variadas entidades e organizações. |
"Carta de solidariedade à luta das mulheres do mundo
Neste ano em que o Forum Social Mundial, depois do Mali em 2006 e do Kenya em 2007, se junta pela 3ª vez aos povos de África, nós, as mulheres de diferentes partes do mundo, reunidas em Dakar, conscientes de que a união das forças poderá com o tempo provocar uma mudança, reafirmamos a nossa solidariedade e admiração pelas lutas das mulheres Senegalesas, das mulheres africanas e de todas mulheres do mundo. As suas lutas, conjuntamente com as lutas de todos os homens e mulheres, reforçam a resistência levada por todo lado contra o sistema capitalista e patriarcal globalizado.
Nos dias de hoje atravessamos sempre as mesmas crises mundiais – econômica, alimentar, ecológica e social – e constatamos com inquietude que essas crises perduram e se aprofundam. Reformulamos aqui a nossa análise segundo a qual essas crises não estão isoladas mas sim são a expressão da crise do modelo caracterizado pela superexploração do trabalho e do meio ambiente, e pela especulação financeira da economia. Por isso, nós as mulheres, continuamos a dizer que é preciso mudar esse modelo de sociedade, este modelo econômico, este modelo de produção e de consumo que provoca uma pobreza ainda maior para nossos povos, e em particular para as mulheres.
Nós as mulheres, engajadas no respeito e à defesa dos princípios de justiça, de paz e de solidariedade, temos necessidade de avançar na criação de alternativas face a essas crises: todavia as respostas paliativas baseadas na lógica do mercado não nos interessam. Não podemos aceitar que as tentativas de manter o sistema atual no seu lugar, sejam feitas a custa das mulheres.
Neste contexto, dizemos não à intolerância e a perseguição da diversidade sexual e às práticas culturais que lesionam a saúde, o corpo e a alma das mulheres.
Condenamos todas as violências feitas às mulheres, em particular os “femicídios”, o tráfico de mulheres, a prostituição forçada, as violências físicas, o assédio sexual, as mutilações genitais, os casamentos prematuros, os casamentos forçados, o estupro, o estupro utilizado como arma sistemática de guerra, e a impunidade daqueles que cometem esses atos de horror contra as mulheres.
Dizemos não ainda, àquela sociedade que viola os direitos das mulheres não lhes permitindo o acesso aos recursos, à terra, ao crédito, ao emprego em condições dignas, onde o capital para se reproduzir torna precários os empregos das mulheres.
Condenamos o açambarcamento e a colonização das terras das camponesas e dos camponeses, quaisquer que sejam as formas, pelos Estados ou por empresas transnacionais, e condenamos as culturas transgênicas, que prejudicam a biodiversidade e a vida.
Dizemos não à corrida armamentista e nuclear, que é feita em detrimento do investimento dos Estados nos programas sociais, sanitários e educativos.
Condenamos a sociedade que nega às mulheres o acesso ao conhecimento e à educação, onde as mulheres são marginalizadas e discriminadas na tomada de decisões.
Dizemos não aos conflitos armados e às guerras e as ocupações.
Dizemos SIM à paz justa para os povos oprimidos.
Face a tudo isso, propomos reforçar nossas lutas para que os nossos países tenham sua soberania econômica, política e cultural face às instituições financeiras internacionais. Queremos a anulação das dívidas externas e ilegítimas e uma auditoria cidadã que permita aos povos de obterem reparação: as mulheres não devem nada, elas são as primeiras credoras das dívidas externas. Pedimos também aplicação efetiva da taxa Tobin.
Revindicamos a soberania alimentar dos povos e o consumo de produtos locais, a utilização de nossas sementes tradicionais, e acesso das mulheres à terra e aos recursos produtivos.
Queremos um mundo onde os homens e as mulheres tenham os mesmos direitos, as mesmas oportunidades no acesso ao conhecimento, à escolarização, à alfabetização e à educação e às tomadas de decisões, e os mesmos direitos ao trabalho e ao salário justo.
Pretendemos um mundo onde os Estados invistam na saúde das mulheres e dos nossos filhos, em particular na saúde materna.
Pedimos a ratificação e aplicação efetiva de todas as convenções internacionais, em particular a convenção 156 e a convenção 183 da OIT.
Queremos a democratização da comunicação e do acesso à informação.
Somos solidárias com as mulheres palestinas por um Estado Palestino democrático, independente, soberano, com Jerusalém como a capital, e o regresso dos refugiados de acordo com a resolução 194 das Nações Unidas.
Somos solidárias com as mulheres de Casamance pelo regressso à paz.
Somos a favor da luta dos povos na Tunísia e no Egito pela democracia.
Somos solidárias com as mulheres da República Democrática do Congo, pelo fim do conflito.
Somos solidárias com as mulheres curdas, por uma sociedade democrática, ecológica, livre e igualitária entre as mulheres e os homens, e onde exista o direito de utilizar a sua língua materna na educação.
Somos solidárias com o direito à autodeterminação das mulheres saharaui, em conformidade com a resolução das Nações Unidas, e por encontrar uma solução pacífica segundo a Carta do Fórum Social Magrebino.
Somos solidárias com todas as mulheres vítimas de catástrofes naturais, como no Haiti, no Brasil, no Paquistão, Austrália...
Somos solidárias com os milhões de mulheres e crianças refugiadas e deslocadas. Apelamos pelo regresso à sua terra e à liberdade de circulação.
Propomos a criação de redes de alertas e de informações para as mulheres que se encontram em zonas de conflito ou ocupação.
Propomos o dia 30 de março como o Dia De Solidariedade Internacional com o Povo Palestino e chamamos ao boicote dos produtos provenientes de ocupantes israelitas. Apelamos à realização de um Fórum internacional de solidariedade à luta do povo palestino em 2012.
Reconhecemos todos os esforços de todas as mulheres do mundo e nos identificamos com as suas reivindicações: o que se passa a uma de nós, passa-nos a nós todas. É por isso que devemos lutar todas juntas.
Dacar, 11 de Fevereiro de 2011
Organizações signatárias:
Marcha Mundial das Mulheres
Via Campesina
Federação Democrática Internacional das Mulheres (FDIM)
Articulação Feminista MARCOSUR
IFWF – International Free Women Foudation
WILDAF – Senegal (Women in Law and Development in Africa)
AWID
CADTM – (Comitê pela Anulação da Dívida do Terceiro Mundo)
WIDE
Organização Continental Latino-Americana e Caribenha dos Estudantes (OCLAE)
UBM – União Brasileira de Mulheres
CEBRAPAZ
CTB
CUT
AMB – Articulação de Mulheres Brasileiras
Democratic Women Freedom Movement “DOKH”
Kurdish Women Peace Office
Women Center UTAMARA
Coordinacion de Mujeres del Paraguay CMP
Isis International
Red de Mujeres de AMARC (AMARC-RIM/AMARC-RIF/AMARC-WIN)"
Neste ano em que o Forum Social Mundial, depois do Mali em 2006 e do Kenya em 2007, se junta pela 3ª vez aos povos de África, nós, as mulheres de diferentes partes do mundo, reunidas em Dakar, conscientes de que a união das forças poderá com o tempo provocar uma mudança, reafirmamos a nossa solidariedade e admiração pelas lutas das mulheres Senegalesas, das mulheres africanas e de todas mulheres do mundo. As suas lutas, conjuntamente com as lutas de todos os homens e mulheres, reforçam a resistência levada por todo lado contra o sistema capitalista e patriarcal globalizado.
Nos dias de hoje atravessamos sempre as mesmas crises mundiais – econômica, alimentar, ecológica e social – e constatamos com inquietude que essas crises perduram e se aprofundam. Reformulamos aqui a nossa análise segundo a qual essas crises não estão isoladas mas sim são a expressão da crise do modelo caracterizado pela superexploração do trabalho e do meio ambiente, e pela especulação financeira da economia. Por isso, nós as mulheres, continuamos a dizer que é preciso mudar esse modelo de sociedade, este modelo econômico, este modelo de produção e de consumo que provoca uma pobreza ainda maior para nossos povos, e em particular para as mulheres.
Nós as mulheres, engajadas no respeito e à defesa dos princípios de justiça, de paz e de solidariedade, temos necessidade de avançar na criação de alternativas face a essas crises: todavia as respostas paliativas baseadas na lógica do mercado não nos interessam. Não podemos aceitar que as tentativas de manter o sistema atual no seu lugar, sejam feitas a custa das mulheres.
Neste contexto, dizemos não à intolerância e a perseguição da diversidade sexual e às práticas culturais que lesionam a saúde, o corpo e a alma das mulheres.
Condenamos todas as violências feitas às mulheres, em particular os “femicídios”, o tráfico de mulheres, a prostituição forçada, as violências físicas, o assédio sexual, as mutilações genitais, os casamentos prematuros, os casamentos forçados, o estupro, o estupro utilizado como arma sistemática de guerra, e a impunidade daqueles que cometem esses atos de horror contra as mulheres.
Dizemos não ainda, àquela sociedade que viola os direitos das mulheres não lhes permitindo o acesso aos recursos, à terra, ao crédito, ao emprego em condições dignas, onde o capital para se reproduzir torna precários os empregos das mulheres.
Condenamos o açambarcamento e a colonização das terras das camponesas e dos camponeses, quaisquer que sejam as formas, pelos Estados ou por empresas transnacionais, e condenamos as culturas transgênicas, que prejudicam a biodiversidade e a vida.
Dizemos não à corrida armamentista e nuclear, que é feita em detrimento do investimento dos Estados nos programas sociais, sanitários e educativos.
Condenamos a sociedade que nega às mulheres o acesso ao conhecimento e à educação, onde as mulheres são marginalizadas e discriminadas na tomada de decisões.
Dizemos não aos conflitos armados e às guerras e as ocupações.
Dizemos SIM à paz justa para os povos oprimidos.
Face a tudo isso, propomos reforçar nossas lutas para que os nossos países tenham sua soberania econômica, política e cultural face às instituições financeiras internacionais. Queremos a anulação das dívidas externas e ilegítimas e uma auditoria cidadã que permita aos povos de obterem reparação: as mulheres não devem nada, elas são as primeiras credoras das dívidas externas. Pedimos também aplicação efetiva da taxa Tobin.
Revindicamos a soberania alimentar dos povos e o consumo de produtos locais, a utilização de nossas sementes tradicionais, e acesso das mulheres à terra e aos recursos produtivos.
Queremos um mundo onde os homens e as mulheres tenham os mesmos direitos, as mesmas oportunidades no acesso ao conhecimento, à escolarização, à alfabetização e à educação e às tomadas de decisões, e os mesmos direitos ao trabalho e ao salário justo.
Pretendemos um mundo onde os Estados invistam na saúde das mulheres e dos nossos filhos, em particular na saúde materna.
Pedimos a ratificação e aplicação efetiva de todas as convenções internacionais, em particular a convenção 156 e a convenção 183 da OIT.
Queremos a democratização da comunicação e do acesso à informação.
Somos solidárias com as mulheres palestinas por um Estado Palestino democrático, independente, soberano, com Jerusalém como a capital, e o regresso dos refugiados de acordo com a resolução 194 das Nações Unidas.
Somos solidárias com as mulheres de Casamance pelo regressso à paz.
Somos a favor da luta dos povos na Tunísia e no Egito pela democracia.
Somos solidárias com as mulheres da República Democrática do Congo, pelo fim do conflito.
Somos solidárias com as mulheres curdas, por uma sociedade democrática, ecológica, livre e igualitária entre as mulheres e os homens, e onde exista o direito de utilizar a sua língua materna na educação.
Somos solidárias com o direito à autodeterminação das mulheres saharaui, em conformidade com a resolução das Nações Unidas, e por encontrar uma solução pacífica segundo a Carta do Fórum Social Magrebino.
Somos solidárias com todas as mulheres vítimas de catástrofes naturais, como no Haiti, no Brasil, no Paquistão, Austrália...
Somos solidárias com os milhões de mulheres e crianças refugiadas e deslocadas. Apelamos pelo regresso à sua terra e à liberdade de circulação.
Propomos a criação de redes de alertas e de informações para as mulheres que se encontram em zonas de conflito ou ocupação.
Propomos o dia 30 de março como o Dia De Solidariedade Internacional com o Povo Palestino e chamamos ao boicote dos produtos provenientes de ocupantes israelitas. Apelamos à realização de um Fórum internacional de solidariedade à luta do povo palestino em 2012.
Reconhecemos todos os esforços de todas as mulheres do mundo e nos identificamos com as suas reivindicações: o que se passa a uma de nós, passa-nos a nós todas. É por isso que devemos lutar todas juntas.
Dacar, 11 de Fevereiro de 2011
Organizações signatárias:
Marcha Mundial das Mulheres
Via Campesina
Federação Democrática Internacional das Mulheres (FDIM)
Articulação Feminista MARCOSUR
IFWF – International Free Women Foudation
WILDAF – Senegal (Women in Law and Development in Africa)
AWID
CADTM – (Comitê pela Anulação da Dívida do Terceiro Mundo)
WIDE
Organização Continental Latino-Americana e Caribenha dos Estudantes (OCLAE)
UBM – União Brasileira de Mulheres
CEBRAPAZ
CTB
CUT
AMB – Articulação de Mulheres Brasileiras
Democratic Women Freedom Movement “DOKH”
Kurdish Women Peace Office
Women Center UTAMARA
Coordinacion de Mujeres del Paraguay CMP
Isis International
Red de Mujeres de AMARC (AMARC-RIM/AMARC-RIF/AMARC-WIN)"
Da redação, Luana Bonone
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