LEI SECA 80% recusam o bafômetro
Dos 11.202 condutores que tiveram a habilitação suspensa, apenas 152 cumpriram a medida. Isto é, o total de 1,35%
Perto de completar três anos, a Lei 11.705, popularmente conhecida como Lei Seca, continua tão polêmica como quando entrou em vigência, em junho de 2008. Com o intuito da tolerância zero para o nível de alcoolemia permitido para condução de veículos automotores, ela aumentou a penalidade administrativa (para qual foi fixada uma margem de tolerância de 0,2 g/l, posteriormente) e criminalizou o condutor que apresentasse níveis superiores a 0,6 g/l.
A discussão, porém, está na sua eficácia. Como a Constituição Federal dá a possibilidade do acusado de não produzir provas contra si mesmo, acaba permitindo a impunidade antes não existente. Motoristas alcoolizados têm o direito de se recusarem a fazer o exame que comprova tal crime. Resultado: atualmente, 80% negam-se ao teste do bafômetro, segundo estimativa do próprio gerente da fiscalização do Departamento Estadual de Trânsito do Ceará (Detran-CE), Pedro Forte.
"Normalmente, quem bebe se recusa. Só faz mesmo quem não bebeu ou não tem o conhecimento da Lei. Se colocarmos uma blitz na saída de uma festa ninguém faz", declarou Forte. Por esses fatores, é impossível estimar quantos condutores infligiram a Lei Seca até hoje. Os números apresentados pelo Detran-CE apontam que, desde que foi implementada, 18.290 pessoas foram reprovadas.
No entanto, sabe-se que esse quantitativo é apenas o começo. Para se ter uma ideia, desse total, 11.202 motoristas foram comunicados sobre a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Entretanto, apenas 152 condutores entregaram a CNH ao órgão, ou seja, 1,35%.
Justiça
Hoje, quem conta melhor essa história são as vítimas dessa impunidade. A advogada Rosa Júlia Plá Coelho luta desde 2008 por justiça. Na noite de 16 de fevereiro daquele ano, quando voltava de uma pizzaria com a mãe e uma amiga pela Rua Tenente Benévolo, próximo à Carlos Vasconcelos, foi surpreendida com forte pancada na lateral de seu carro.
O choque foi tão intenso que o veículo rodopiou na via, capotou três vezes até ser lançado contra um poste e ficar com as rodas para o alto. "O rapaz estava tão embriagado que saiu do carro com um copo de uísque e confundiu o retrovisor caído no chão com um celular.
Não bastando, ele veio em minha direção dizendo que a culpada pela colisão era eu", recordou. As disparidades não pararam por aí. Ao chegarem ao 2º Distrito Policial, na Aldeota, a prova material do crime, no caso o copo de uísque, havia sumido. Sem falar que o delegado de plantão, na época, só autorizou o exame sanguíneo após 8 horas. "Chegamos à delegacia às 23 horas. O delegado disse que o caso em questão era muito pequeno e tinha outras coisa para fazer".
Por fim, a advogada disse que, durante todo o tempo que o rapaz passou na cadeia, recebeu auxílio de familiares que levaram para ele glicose e água, pra que os vestígios etílicos sumissem. "Tanto é que quando ele resolveu fazer o exame já haviam passado várias horas e deu negativo. A sensação que eu tenho é de impunidade. O que ocorreu foi uma insanidade", exclamou Rosa Júlia.
Ajustes
Para o juiz da Vara de Delitos do Trânsito, José Alberto de Almeida, o caso de citado é um exemplo do direito do indivíduo acima do direito da sociedade. "O que é um absurdo", critica o juiz. Ele aponta como solução a adoção de legislação mais severa, "onde em vez de uma pena de reclusão, que comporta fiança, adotemos a de reclusão, que é não afiançável".
Além disso, o promotor da Vara de Trânsito Bruno Jorge Costa avalia que o modo como legislação está agora prejudica a apuração da verdade e a aplicação da Lei. "Antigamente, existiriam outras formas de comprovar a embriaguez do condutor e instaurar processos. Ou seja, de comprovar o crime". Em relação à situação de Rosa Júlia, ele disse que o caso está em averiguação e que pediu para apurar a suposta omissão do delegado em questão.
Enquanto isso, a advogada aguarda por justiça. De acordo com ela, a expectativa é de que, ainda neste ano, o caso chegue ao fim e sirva como lição e reflexão para a sociedade. Fora isso, ela comenta que se o País possuísse formas mais eficazes de velar pelo cumprimento da Lei, acabaria com essa situação de impunidade, muitas vezes ocorrida pela demora na realização dos atos processuais. "Maior agilidade na realização das providências previstas na lei para enquadrar uma pessoa na condição de influência etílica, seria uma forma mais eficaz de cumprir a lei e de fazer efetivamente justiça", opinou.
NAS RUASMédia de 33% dos acidentes são provocados pelo álcool
Por muitos anos, a prática de beber e dirigir entre os brasileiros era bastante recorrente. Em 2008, com a entrada da Lei Seca, essa atitude começou a ser menos frequente, pelo menos até o mês de agosto.
Em contrapartida, os dados do Instituto Doutor José Frota (IJF) comprovam que houve aumento de 18,87% nos números de acidentes de trânsito até 2010. Ou seja, em 2008, foram somados 11.346 colisões. Já no ano passado, esse total era de 13.487. Um detalhe, porém, chama a atenção: na maior parte deles o uso de álcool estava presente nos condutores.
Isso é o que afirma o diretor da emergência do IJF, Messias Simões. "Realmente, nas ocorrências, há grande incidência do consumo de álcool". Além disso, o médico acrescentou que, segundo os dados do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), referentes a 2010, do total de 14.400 chamadas telefônicas, realizadas anualmente para o serviço, exatamente 4.760, ou 33 %, correspondem a chamadas associadas ao trânsito e álcool. "Na verdade, o que existe é o relato dos envolvidos no acidente ou das testemunhas".
Apesar deste percentual ser significativo, Messias alertou que essa incidência, pelo menos no Samu, vem diminuindo, chegando a apresentar uma queda 37,5%. De acordo com ele, quando se compara as solicitações em janeiro (506) com as de dezembro (316), há essa variação. Para o doutorando em Engenharia de Transportes, João Alencar Oliveira Júnior, só haverá mudanças quando se obtiver mais consciência cidadã. "Só vamos ter Lei eficaz, sem que ninguém dirija alcoolizado, quando os cidadãos se educarem".
Fiscalização
Para conter esses abusos, o Estado possui, ao todo, 158 etilômetros, sendo 66 pertencem ao Detran-CE, 88 à Polícia Rodoviária Estadual (PRE) e somente quatro à Autarquia Municipal de Trânsito, Serviços Públicos e de Cidadania de Fortaleza (AMC). A PRE informou que são realizadas 10 blitze diárias e todas as viaturas possuem o aparelhos para teste de bafômetro.
Já o Detran pontuou que as fiscalizações em relação à Lei Seca começam na quinta-feira e vão até domingo, totalizando 55 operações. A assessoria de imprensa da AMC observou que devido ao órgão não realizar blitze, os quatro bafômetros são suficientes, sendo utilizados quando existem solicitações.
THAYS LAVORREPÓRTER
A opinião do especialista
A lei é necessária
Antes de se falar sobre intervenções de qualidade para a prevenção no trânsito e para a recuperação e reeducação dos motoristas e transeuntes, é necessário contextualizar a adoção da chamada Lei Seca. Esta legislação foi criada a partir da constatação de que as mortes no trânsito eram a segunda causa de mortes no nosso País, perdendo somente para os problemas cardíacos.
Além disso, entre os acidentes de trânsito, ficou claro que mais de 60% desses acidentes envolviam o consumo de bebidas alcoólicas. Portanto, de posse desses dados estatísticos, resolveu-se criminalizar o uso de álcool ao volante. Apesar das ferrenhas reclamações dos "usuários desta droga", ocorreu uma redução, bastante importante, no número de acidentes, poupando inúmeras vidas.
Passado algum tempo da implantação da "Lei Seca", a quantidade de acidentes envolvendo o consumo de álcool começa a crescer, principalmente entre jovens e adultos de meia idade. Como prevenir esse tipo de situação? E com os envolvidos em acidentes com essas características, como reeducá-los e recuperá-los, como manda a nossa Constituição?
A primeira e imediata resposta é a educação, e a segunda também. Porém, o formato dessa educação será que está correta? Levando-se em consideração que os índices de violência, não só no trânsito, mas em todo o mundo, crescem a cada dia e que a reincidência passa de 70%, fica evidente que precisamos de uma educação diferente. Um dos pontos fortes é a mudança da maneira de "olhar o outro". Se pegarmos o exemplo dos acidentes de trânsito, os motoristas devem passar a ver o pedestre não mais como obstáculo no caminho, mas, sim, como ser humano.
RICARDO VAZ - Escola de Perdão e Reconciliação (Espere) de Niterói (RJ)
Perto de completar três anos, a Lei 11.705, popularmente conhecida como Lei Seca, continua tão polêmica como quando entrou em vigência, em junho de 2008. Com o intuito da tolerância zero para o nível de alcoolemia permitido para condução de veículos automotores, ela aumentou a penalidade administrativa (para qual foi fixada uma margem de tolerância de 0,2 g/l, posteriormente) e criminalizou o condutor que apresentasse níveis superiores a 0,6 g/l.
A discussão, porém, está na sua eficácia. Como a Constituição Federal dá a possibilidade do acusado de não produzir provas contra si mesmo, acaba permitindo a impunidade antes não existente. Motoristas alcoolizados têm o direito de se recusarem a fazer o exame que comprova tal crime. Resultado: atualmente, 80% negam-se ao teste do bafômetro, segundo estimativa do próprio gerente da fiscalização do Departamento Estadual de Trânsito do Ceará (Detran-CE), Pedro Forte.
"Normalmente, quem bebe se recusa. Só faz mesmo quem não bebeu ou não tem o conhecimento da Lei. Se colocarmos uma blitz na saída de uma festa ninguém faz", declarou Forte. Por esses fatores, é impossível estimar quantos condutores infligiram a Lei Seca até hoje. Os números apresentados pelo Detran-CE apontam que, desde que foi implementada, 18.290 pessoas foram reprovadas.
No entanto, sabe-se que esse quantitativo é apenas o começo. Para se ter uma ideia, desse total, 11.202 motoristas foram comunicados sobre a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Entretanto, apenas 152 condutores entregaram a CNH ao órgão, ou seja, 1,35%.
Justiça
Hoje, quem conta melhor essa história são as vítimas dessa impunidade. A advogada Rosa Júlia Plá Coelho luta desde 2008 por justiça. Na noite de 16 de fevereiro daquele ano, quando voltava de uma pizzaria com a mãe e uma amiga pela Rua Tenente Benévolo, próximo à Carlos Vasconcelos, foi surpreendida com forte pancada na lateral de seu carro.
O choque foi tão intenso que o veículo rodopiou na via, capotou três vezes até ser lançado contra um poste e ficar com as rodas para o alto. "O rapaz estava tão embriagado que saiu do carro com um copo de uísque e confundiu o retrovisor caído no chão com um celular.
Não bastando, ele veio em minha direção dizendo que a culpada pela colisão era eu", recordou. As disparidades não pararam por aí. Ao chegarem ao 2º Distrito Policial, na Aldeota, a prova material do crime, no caso o copo de uísque, havia sumido. Sem falar que o delegado de plantão, na época, só autorizou o exame sanguíneo após 8 horas. "Chegamos à delegacia às 23 horas. O delegado disse que o caso em questão era muito pequeno e tinha outras coisa para fazer".
Por fim, a advogada disse que, durante todo o tempo que o rapaz passou na cadeia, recebeu auxílio de familiares que levaram para ele glicose e água, pra que os vestígios etílicos sumissem. "Tanto é que quando ele resolveu fazer o exame já haviam passado várias horas e deu negativo. A sensação que eu tenho é de impunidade. O que ocorreu foi uma insanidade", exclamou Rosa Júlia.
Ajustes
Para o juiz da Vara de Delitos do Trânsito, José Alberto de Almeida, o caso de citado é um exemplo do direito do indivíduo acima do direito da sociedade. "O que é um absurdo", critica o juiz. Ele aponta como solução a adoção de legislação mais severa, "onde em vez de uma pena de reclusão, que comporta fiança, adotemos a de reclusão, que é não afiançável".
Além disso, o promotor da Vara de Trânsito Bruno Jorge Costa avalia que o modo como legislação está agora prejudica a apuração da verdade e a aplicação da Lei. "Antigamente, existiriam outras formas de comprovar a embriaguez do condutor e instaurar processos. Ou seja, de comprovar o crime". Em relação à situação de Rosa Júlia, ele disse que o caso está em averiguação e que pediu para apurar a suposta omissão do delegado em questão.
Enquanto isso, a advogada aguarda por justiça. De acordo com ela, a expectativa é de que, ainda neste ano, o caso chegue ao fim e sirva como lição e reflexão para a sociedade. Fora isso, ela comenta que se o País possuísse formas mais eficazes de velar pelo cumprimento da Lei, acabaria com essa situação de impunidade, muitas vezes ocorrida pela demora na realização dos atos processuais. "Maior agilidade na realização das providências previstas na lei para enquadrar uma pessoa na condição de influência etílica, seria uma forma mais eficaz de cumprir a lei e de fazer efetivamente justiça", opinou.
NAS RUASMédia de 33% dos acidentes são provocados pelo álcool
Por muitos anos, a prática de beber e dirigir entre os brasileiros era bastante recorrente. Em 2008, com a entrada da Lei Seca, essa atitude começou a ser menos frequente, pelo menos até o mês de agosto.
Em contrapartida, os dados do Instituto Doutor José Frota (IJF) comprovam que houve aumento de 18,87% nos números de acidentes de trânsito até 2010. Ou seja, em 2008, foram somados 11.346 colisões. Já no ano passado, esse total era de 13.487. Um detalhe, porém, chama a atenção: na maior parte deles o uso de álcool estava presente nos condutores.
Isso é o que afirma o diretor da emergência do IJF, Messias Simões. "Realmente, nas ocorrências, há grande incidência do consumo de álcool". Além disso, o médico acrescentou que, segundo os dados do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), referentes a 2010, do total de 14.400 chamadas telefônicas, realizadas anualmente para o serviço, exatamente 4.760, ou 33 %, correspondem a chamadas associadas ao trânsito e álcool. "Na verdade, o que existe é o relato dos envolvidos no acidente ou das testemunhas".
Apesar deste percentual ser significativo, Messias alertou que essa incidência, pelo menos no Samu, vem diminuindo, chegando a apresentar uma queda 37,5%. De acordo com ele, quando se compara as solicitações em janeiro (506) com as de dezembro (316), há essa variação. Para o doutorando em Engenharia de Transportes, João Alencar Oliveira Júnior, só haverá mudanças quando se obtiver mais consciência cidadã. "Só vamos ter Lei eficaz, sem que ninguém dirija alcoolizado, quando os cidadãos se educarem".
Fiscalização
Para conter esses abusos, o Estado possui, ao todo, 158 etilômetros, sendo 66 pertencem ao Detran-CE, 88 à Polícia Rodoviária Estadual (PRE) e somente quatro à Autarquia Municipal de Trânsito, Serviços Públicos e de Cidadania de Fortaleza (AMC). A PRE informou que são realizadas 10 blitze diárias e todas as viaturas possuem o aparelhos para teste de bafômetro.
Já o Detran pontuou que as fiscalizações em relação à Lei Seca começam na quinta-feira e vão até domingo, totalizando 55 operações. A assessoria de imprensa da AMC observou que devido ao órgão não realizar blitze, os quatro bafômetros são suficientes, sendo utilizados quando existem solicitações.
THAYS LAVORREPÓRTER
A opinião do especialista
A lei é necessária
Antes de se falar sobre intervenções de qualidade para a prevenção no trânsito e para a recuperação e reeducação dos motoristas e transeuntes, é necessário contextualizar a adoção da chamada Lei Seca. Esta legislação foi criada a partir da constatação de que as mortes no trânsito eram a segunda causa de mortes no nosso País, perdendo somente para os problemas cardíacos.
Além disso, entre os acidentes de trânsito, ficou claro que mais de 60% desses acidentes envolviam o consumo de bebidas alcoólicas. Portanto, de posse desses dados estatísticos, resolveu-se criminalizar o uso de álcool ao volante. Apesar das ferrenhas reclamações dos "usuários desta droga", ocorreu uma redução, bastante importante, no número de acidentes, poupando inúmeras vidas.
Passado algum tempo da implantação da "Lei Seca", a quantidade de acidentes envolvendo o consumo de álcool começa a crescer, principalmente entre jovens e adultos de meia idade. Como prevenir esse tipo de situação? E com os envolvidos em acidentes com essas características, como reeducá-los e recuperá-los, como manda a nossa Constituição?
A primeira e imediata resposta é a educação, e a segunda também. Porém, o formato dessa educação será que está correta? Levando-se em consideração que os índices de violência, não só no trânsito, mas em todo o mundo, crescem a cada dia e que a reincidência passa de 70%, fica evidente que precisamos de uma educação diferente. Um dos pontos fortes é a mudança da maneira de "olhar o outro". Se pegarmos o exemplo dos acidentes de trânsito, os motoristas devem passar a ver o pedestre não mais como obstáculo no caminho, mas, sim, como ser humano.
RICARDO VAZ - Escola de Perdão e Reconciliação (Espere) de Niterói (RJ)
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