Cultura requer investimento


O pior da discussão sobre financiamento à cultura no Brasil é não termos avançado no debate público sobre a real dimensão dessa questão, suas causas e efeitos. O problema torna-se crônico e exige rápida resposta do novo MinC, sob o comando de Ana de Hollanda.
Em 2003 tínhamos um debate mais maduro e consciente do que temos hoje, envenenado por uma gestão desastrosa da Lei Rouanet, que incluiu uma campanha perversa promovida pelo governo contra artistas, produtores e sobreviventes do neoliberalismo cultural, eximindo o próprio governo das mazelas que determinam o mal uso do dispositivo, o que só confirma o estado de abandono da cultura e das artes no país.
O legado disso é um projeto de lei (o Procultura) que tira o marketing cultural das mãos das grandes empresas e coloca nas mãos do governo, o que não muda em nada, talvez apenas acentue, os vícios e distorções há muito existentes. Um projeto que ao apagar das luzes do último governo (e mais uma vez em nome de um benefício maior – o apoio à permanência no cargo), sofreu uma série de alterações impulsionadas justamente por um grupo de poderosas instituições culturais: aqueles que, em tese, deveriam ser o alvo maior do projeto (em breve escreverei uma análise sobre o substitutivo de Alice Portugal ao Procultura).
Sei que este debate está tão seriamente comprometido e contaminado por essa campanha (norteversus sul, fim ou manutenção da Lei Rouanet, consagrados contra indigentes culturais), que talvez seja impossível retomá-lo ao nível de 2003. Provavelmente não iremos discutir o que realmente interessa, mas não custa tentar.
Uma pergunta básica se impõe a essa discussão. Em vez de concentrarmos o financiamento em projetos e eventos pontuais e esporádicos, porque não incentivar empreendimentos sólidos e sustentáveis?
E por que concentrar todas as demandas, fases e dimensões da gestão cultural a uma fonte única, já que o Mecenato e o Fundo Nacional de Cultura atuam nessa mesma lógica, e o Ficart praticamente não existe?
O correto seria criar uma tipologia, considerando a natureza dos empreendimentos, os “nós” que impedem o bom fluxo e desenvolvimento de determinados setores, a diversificação de investimentos conforme as peculiaridades de cada um desses tipos e dimensões. Além do olhar setorial, suas urgências, gargalos e carências (considerando inclusive as diferenças regionais), precisamos nos preparar para reduzir drasticamente o nosso maior abismo, que é a falta de acesso e de garantias dos direitos culturais (constitucionais) dos cidadãos brasileiros.
Eis algumas dos pilares de atuação de uma política de financiamento abrangente e compromissada com os grandes desafios culturais do país:
Infraestrutura: um problema crônico e estrutural do Brasil, portanto emergencial. Nossos municípios não têm centros culturais, cinemas, bibliotecas modernas e ativas, telecentros, museus, escolas de arte, centros de pesquisa, criação e convivência. Precisamos de mecanismos de financiamento que articulem orçamento público, privado, emendas parlamentares e um fundo de investimento especial para este fim.
Pesquisa: precisamos criar um fundo ao estilo da FAPESP para concessão de bolsas e financiamentos de pesquisa para artistas e pesquisadores envolvidos com temas relacionados à tradição, novas linguagens e políticas culturais.
Empreendedorismo: investimentos diretos e indiretos aos empreendedores, sobretudo os que almejam e planejam crescimento, gerando emprego e desenvolvendo a economia criativa e sustentável, contribuindo para o aumento da participação da cultura no PIB nacional. Empréstimos subsidiados, redução de impostos e incentivos fiscais são excelentes instrumentos para empreendimentos culturais, sobretudos nos 5 primeiros anos de vida. Em vez de apresentar projetos, que muitas vezes desvia o empreendimentos de seu foco estratégico, concentrando-se no tático, o empreendedor precisa desenvolver planos de negócios consistentes. O poder público, por outro lado, deixaria de atuar como agente fiscalizador e censor para se tornar parceiro estimulador.
Indústria: as indústrias culturais, sobretudo do audiovisual (incluindo novas linguagens como web e videogames), editorial e de espetáculos (show business) necessitam de instrumentos próprios de financiamento. O incentivo fiscal está longe de ser a melhor alternativa para esse tipo de negócio. Além de exercer uma concorrência desleal com empreendimentos de menor apelo comercial, altera a lógica da indústria, que envolve risco e deseja lucro. O mercado internacional abre-se de maneira muito favorável para o Brasil, tanto em termos de exportação de talentos quanto de importação de franquias, espetáculos e produtos de valor de simbólico de todo o mundo. Empréstimos subsidiados e redução de impostos são benefícios que, se  atrelados ao cumprimento de metas (exportação, geração de empregos, regionalização), geram uma relação positiva com o dinheiro público.
Em todos os exemplos acima explorados, o investimento em negócios (empreendimentos, organizações, empresas), e não em projetos (que desviam a atenção dos empreendedors e atolam os órgãos governamentais com burocracias inúteis) tornam-se estratégicos para auxiliar o poder público em seu desafio de diminuir o défict cultural da nação. Por isso, o investimento em cultura é um dos mais relevantes e necessários para consolidar o crescimento do Brasil, de corpo e alma.

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