Dilma está em dívida com as centrais sindicais


As discussões sobre o reajuste do salário mínimo e a correção da tabela do Imposto de Renda de Pessoa Física (IR) devem dominar a reunião entre as centrais sindicais e o secretário- geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, nesta quarta-feira (26), em Brasília. Mas lideranças do movimento levarão à mesa uma dúvida que há meses preocupa as entidades: qual será, afinal, o canal de negociação entre as centrais e o governo da presidente Dilma Rousseff?

Por André Cintra

De acordo com sindicalistas ouvidos pelo Vermelho, Dilma ainda não deu sinais definitivos de como será seu relacionamento com os mais diversos movimentos da sociedade civil. Tudo indica, porém, que a presidente não adotará os termos estabelecidos por seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva. A principal queixa das centrais diz respeito à falta de diálogo.

“A gente vem notando esse problema na interlocução desde a campanha eleitoral e mesmo depois que a Dilma foi eleita”, afirma Wagner Gomes, presidente da CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil). Wagner lembra que a própria reunião de quarta-feira “só foi arrancada depois de muito tempo e muita pressão. A presidente Dilma deveria manter uma interlocução mais periódica com os movimentos sociais”.

Segundo o presidente da CTB, no encontro com Gilberto Carvalho as centrais devem recordar o “bom histórico de diálogo” construído ao longo da década. “Juntos, o governo Lula e as centrais resolveram vários problemas. A política de valorização do salário mínimo, negociada entre as duas partes, foi fundamental para a superação da crise econômica”, diz Wagner. “Esperamos que, depois de quarta-feira, o governo prossiga num processo de conversas mais frequentes.”

Sem habilidade
O anúncio de que o governo elevaria o salário mínimo de R$ 510 para apenas R$ 540 foi o estopim da crise. Pela primeira vez desde 2003, o reajuste parecia sacramentado sem nenhuma negociação com as centrais sindicais — que reivindicam um novo piso de R$ 580. De modo unificado, as seis centrais legalizadas pelo Ministério do Trabalho cobram, ainda, aumento de 10% nas aposentadorias de quem ganha mais de um salário, além de uma correção maior no imposto de renda — o reajuste anual foi de 4,5% no segundo mandato de Lula (2007-2010).

De início, o governo não só rejeitou essas propostas como também fez vista grossa aos pedidos de abertura de negociação. Dilma — que vislumbrava, inicialmente, o mínimo de R$ 540 — aquiesceu com R$ 545, à revelia da equipe econômica. Coube ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, fazer uma espécie de anúncio oficial do novo valor na semana passada.

“Não é só um problema de sensibilidade. Até agora, faltou também habilidade ao governo Dilma”, analisa João Carlos Gonçalves, o Juruna, secretário-geral da Força Sindical. “Como é que anunciam um aumento, uma suposta melhoria, sem estar com os movimentos sociais, sem conversar com ninguém?”

A “ala social” do governo ainda faz contas e trabalha para um reajuste que, na pior das hipóteses, eleve o salário mínimo a R$ 550. Para “compensar” um aumento tão tímido, o governo tende a aceitar a proposta de corrigir a tabela do imposto de renda pelo índice da inflação — de 6,46%.

Segundo Juruna, as centrais podem até estudar contrapartidas para um mínimo inferior a R$ 580, mas tudo dependerá da reunião de quarta-feira. “Ainda precisamos legalizar, no Congresso, os acordos de valorização do salário mínimo, tratar das reivindicações dos aposentados, ver a questão do imposto de renda”, enumera.

“O importante é que conseguimos quebrar essa barreira e marcar uma primeira conversa com o governo, já que não fizeram contato conosco nem durante o governo de transição, nem nesse começo de mandato”, acrescenta Juruna. “Não queremos ser governo. Seremos sempre críticos, mas não abrimos mão de conversar.”



Retrocessos
Wagner Gomes concorda. “Apoiamos Dilma na eleição apostando na continuidade dessa relação de conversa e atendimento de reivindicação. Se as centrais não forem atendidas — e nem mesmo ouvidas — , isso dificulta a convivência”, afirma o presidente da CTB. “Não vamos ficar parados. Apoio não é adesão. Do mesmo jeito que nos unimos para apoiar, vamos mobilizar se não houver negociação.”

Em 2010, com a Agenda da Classe Trabalhadora em mãos, o movimento sindical se mobilizou em peso na eleição. Fizeram campanha para Dilma, em maior ou menor grau, os presidentes de todas as centrais — Artur Henrique (CUT), Paulo Pereira da Silva (Força Sindical), Ricardo Patah (UGT), Antonio Neto (GCTB) e José Calixto Ramos (Nova Central), além de Wagner Gomes. Nem mesmo Lula — que concorreu cinco vezes à Presidência e tem vínculos históricos com o sindicalismo — chegou a receber um conjunto tão representativo de adesões no movimento.

Mas, para Wagner, a gestão Dilma vem tomando certas medidas desfavoráveis aos trabalhadores. “O que nos deixa preocupados não são necessariamente as declarações da presidente — mas, sim, uma série de ações já empreendidas”, diz Wagner Gomes, que cita como “retrocesso” o aumento da taxa básica de juros (Selic) para 11,25%. Segundo ele, a posição das centrais está expressa na agenda construída, unitariamente, na Conclat (Conferência Nacional da Classe Trabalhadora) de junho de 2010. "Queremos desenvol
vimento com distribuição de renda. É por aqui que as centrais vão caminhar — e é o que unifica o movimento."

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